Capítulo XVIII - Perdido no tempo

Changed.
Trocada.
Sinto-me só, podre e abandonada.
Simples, na berma, tendo consciência
De ser bruta, de ser puta,
De que serei esturpada.
Amarrada à cama
A gemer e a contorcer-me
A gritar
A fingir
A vomitar o pus do nojo que há em mim
Violada.
Tratada como um trapo
Negra de pancadas que me doem
Mas que agradeço
Mas com as quais deliro
Ou quero parecer delirar

Há uma sala branca. Tudo branco. Moderno e sofisticado branco. Deleito-me com o pálido do branco que vejo, ou não vejo por tudo ser branco.
Agora existem portas. Muitas portas. Portas brancas que não vejo para onde vão, mas que sei serem portas, só por saber.
Vou tentar andar. Levanto um pé e sinto dor. Volto a pousar. Não tenho coragem para me olhar ao espelho que recobre toda a superfície à minha frente. Tento de novo levantar o pé. É em vão o esforço, tal como em vão é orientar-me no espaço leitoso e espelhado. No meu pé há agora a dor de quem foi arrancada a mágoa. Não sei se é real, mas dói. Dói muito. Sinto uma dor branca, neutra, como o que me rodeia. Sinto-me em paz só por saber que estou algures, não morta, mas com dor.

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